quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Há cada vez mais provas de que o cancro nasce de células estaminais

Artigo escrito por Teresa Firmino, no jornal Público, em 03/08/2012
"Três equipas de cientistas de vários países revelaram novas provas, em experiências em ratinhos, da existência das controversas células estaminais cancerígenas e dizem que elas são as sementes dos cancros: originam todas as células malignas, suportam o crescimento dos tumores, criam as metástases e, como se não bastasse, resistem aos tratamentos convencionais. Publicados esta semana para diferentes tipos de cancro, dois dos trabalhos surgem na revista Nature e o terceiro na Science.
 
 
Deu-se a estas células o nome de "células estaminais cancerígenas" porque - tal como as normais células estaminais dos embriões e dos adultos, capazes de dar origem a diferentes tipos de tecidos no organismo - conseguem dividir-se vezes sem conta. Mais: é delas que descendem todas as outras células de um cancro e que, ainda por cima, não são todas iguais. Também lhes chamam "células iniciadoras dos tumores".

Segundo a hipótese das estaminais cancerígenas, nos cancros há uma hierarquia - e no topo da pirâmide encontram-se estas células. "Estão em menor número, mas fazem muitos estragos", explica Célia Gomes, que estuda as estaminais cancerígenas no Instituto de Investigação da Luz e da Imagem da Faculdade de Medicina de Coimbra. "As estaminais cancerígenas são uma das explicações para a heterogeneidade das células dos tumores."

Proposta há algumas décadas, esta hipótese tem suscitado grande debate. Foi em 1994 que estas células foram identificadas pela primeira vez de forma conclusiva, na leucemia: quando transplantadas para ratinhos com o sistema imunitário enfraquecido, essas células formaram tumores com as mesmas características. "Segundo a teoria, só estas células têm capacidade de gerar um tumor. Qualquer outra desse tumor que não seja estaminal não tem essa capacidade", explica Célia Gomes.

Desde a década de 1990, a hipótese foi ganhando força com a identificação de células estaminais cancerígenas em cancros como o da mama, da próstata, do cérebro e pâncreas.

Mas o papel exacto que elas desempenham continua a suscitar debate. Será que, como propõe a hipótese, são realmente responsáveis pelo início dos cancros, pelo seu crescimento e pela sua disseminação a outros tecidos e órgãos? Também não é muito claro se resultam da transformação de células estaminais adultas, que deixaram de ser capazes de controlar a proliferação, ou de células já diferenciadas que ganharam características das estaminais.

"O tumor pode ter origem em mutações que ocorreram em células estaminais adultas. Todos nós as temos e, no caso de haver um dano no organismo, elas dividem-se e o tecido regenera-se", explica Célia Gomes. "Ou podem ocorrer mutações em células não-estaminais, que fazem com que elas adquiram o comportamento das estaminais", acrescenta a cientista, considerando que as duas origens são possíveis.

Como as estaminais cancerígenas diferem de cancro para cancro, como explica Célia Gomes, é preciso localizar esse reservatório de malignidade para cada um deles. As três equipas dizem agora ter identificado, de forma independente, as estaminais de diferentes cancros e lesões pré-malignas.

A de Arnout Schepers, do Centro Médico da Universidade de Utrecht, na Holanda, confirmou as suas suspeitas para os adenomas intestinais, pólipos no cólon e recto. "Mediante estudos em ratinhos, apresentamos provas directas e funcionais da actividade das células estaminais nos adenomas intestinais primários, precursores do cancro intestinal", diz o grupo de Schepers na Science.

Já a equipa de Cédric Blanpain, da Universidade Livre de Bruxelas, seguiu a evolução de um grupo de células de um cancro da pele, o carcinoma de células escamosas, e apontou-as como as iniciadoras de tudo.

Por fim, a equipa de Luis Parada, da Universidade do Sudoeste do Texas, nos EUA, identificou as estaminais cancerígenas do glioblastoma - um cancro do cérebro agressivo e com mau prognóstico, porque resiste à terapêutica e reaparece após a cirurgia. Além disso, as suas experiências mostraram que, depois da quimioterapia, esse pequeno número de células foi a fonte que alimentou novamente o cancro. Vários trabalhos têm concluído que estas células são muito resistentes aos tratamentos convencionais (quimio e radioterapia), pelo que têm de ser um alvo para novos medicamentos. Aliás, Célia Gomes fez estudos deste género para o osteossarcoma, cancro dos ossos que atinge sobretudo crianças e adolescentes, e em Abril deste ano o seu grupo publicou os resultados na revista BMC Cancer. "Isolámos e caracterizámos uma subpopulação de células com características de estaminais e estudámos os efeitos que a quimioterapia e a radioterapia têm nelas. Verificámos que resistem mais a estas terapias", diz."Elas podem ser responsáveis pelo aparecimento de recidivas nos doentes de osteossarcoma. A taxa de sobrevida anda à volta dos 70% em cinco anos. Mas, destes 70%, cerca de 30 a 40% têm recidivas", acrescenta. "Muitas vezes, a seguir aos tratamentos observa-se uma diminuição significativa da massa tumoral. Estas células não se vêem numa TAC ou PET - é como se tivessem hibernado e deixam se ser atingidas pelas terapias convencionais, que têm como alvo as células muito proliferativas. Não estando a dividir-se, não são atingidas, mas estão lá e podem voltar a dar origem a tumores."

Todos estes estudos mudam a forma de olhar para o cancro? "Mudam", responde Célia Gomes. As estaminais cancerígenas não podem ficar de fora dos tratamentos e esta nova visão é importante para se desenvolverem novos medicamentos que, usados em combinação com a quimio e a radioterapia, as atinjam.

Mas as terapias não poderão centrar-se só nas células estaminais, explica a cientista: "Porque, ao longo do desenvolvimento do tumor, uma subpopulação de células não-estaminais pode adquirir características estaminais. [O cancro] é um processo dinâmico.""

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Controlar o colesterol à mesa

Artigo publicado na rubrica Saúde da Sapo.
Texto: Rita Miguel com Zélia Santos (dietista no British Hospital Lisbon XXI)

"Se uma pessoa de 55 anos com 180 mg de LDL (o chamado mau colesterol) por decilitro de sangue conseguir baixar esse valor para os 100 mg ficará três anos mais nova.

A afirmação é dos célebres médicos norte-americanos Mehmet Oz e Michael Roizen que, no livro «You - Manual de Instruções» (Lua de Papel), sublinham a importância de cada um conhecer os seus números para preservar a saúde.

De seguida, dizemos-lhe o que deve fazer na hora da refeição para alcançar os valores de colesterol desejados sem recorrer a medicação:

- As gorduras que ingere não devem representar mais que 30 por cento do total de calorias que ingere diariamente, mesmo que sejam gorduras saudáveis. Isto equivale a cerca de 66 gramas de gordura para um adulto.

- A gordura saturada que ingere não deve representar mais que oito a 10 por cento do número total de calorias que ingere diariamente, cerca de 18 gramas para um adulto.

- O colesterol que ingere diariamente não deve exceder as 300 miligramas, aproximadamente o que está contido num ovo, pelo que, se comer um ovo, não deve ingerir mais nenhum colesterol.

- Diariamente não deverá ingerir mais que 1,5 gramas de cloreto de sódio, o que corresponde aproximadamente 3,8 gramas de sal, incluindo o escondido nos alimentos.

Fitoesteróis
São substâncias presentes nas células das plantas, ou seja, em alimentos de origem vegetal como os frutos secos, óleos vegetais, soja, óleo de canola, de girassol e de milho, ou em menor quantidade nos frutos e legumes. Assumem um papel privilegiado na absorção intestinal, dificultando a absorção de colesterol pelo organismo.
A sua ingestão nas doses adequadas reduz os níveis de colesterol LDL, mantendo os níveis de HDL. Coma três a quatro gramas por dia.

Fibras


As fibras não são nutrientes no sentido clássico, mas são essenciais numa dieta saudável. Estão presentes em frutas, vegetais, leguminosas e cereais integrais. Alteram a absorção intestinal, o metabolismo hepático e a excreção de colesterol e, consequentemente, fica disponível uma menor quantidade de colesterol para se ligar a lipoproteínas. Idelamente, deve comer entre 20 a 30 gramas por dia."

Colesterol

Artigo publicado na rubrica Saúde da Sapo.

"Um estilo de vida adequado pode ajudá-lo a prevenir esta doença

Juntamente com os triglicéridos, o colesterol é uma das principais substâncias gordas presentes no sangue. Quando se combina com o sangue, formam-se lipoproteínas de elevada densidade (HDL ou o chamado colesterol bom), ou de baixa densidade (LDL ou mau colesterol).

Nem todas as formas de colesterol aumentam o risco de doença cardíaca e aterosclerose.

Enquanto o LDL aumenta o risco, o HDL diminui-o. Idealmente, os valores de LDL devem ser inferiores a 130 mg/dl e os de HDL devem ser superiores a 40 mg/dl. No total não devem superar os 200 mg/dl.

Sintomas

Não tem, é um inimigo silencioso.

Tratamento

Perder peso, deixar de fumar, reduzir a quantidade de gorduras e colesterol na alimentação, fazer mais exercício e, caso seja necessário, tomar medicação destinada a reduzir os lípidos (gorduras) no sangue.

Como prevenir

1. Faça exercício

A actividade física é a melhor forma de queimar gorduras e vai ajudá-lo no seu plano para perder peso.

2. Tenha cuidado com a sua alimentação

Reduza a quantidade total de gorduras e colesterol, incluindo uma maior quantidade de frutas, verduras e hortaliças. Ingira peixe azul: os seus ómega-3 são antitrombóticos (impedem a acumulação de gordura nas artérias). Substitua a carne vermelha por carnes magras como o frango e o peru.

3. Tome lecitina de soja

Tomada diariamente aumenta a solubilidade do colesterol no sangue graças aos seus ácidos gordos essenciais."

Calendário de análises

Artigo publicado na rubrica Saúde da Sapo.
"Vigiar os níveis de colesterol no sangue é uma rotina a não descurar a partir do momento em que entra na idade adulta. Avalie o seu perfil lipídico através de análises ao sangue. Estas análises que discriminam os níveis de colesterol que circulam no sangue devem ser feitas com alguma regularidade, variando em função da idade.

Aos 20 anosSe tiver entre 20 e 30 anos, deve recorrer a este tipo de análises, pelo menos, duas vezes.

Aos 30 anosSe já completou os 30 anos, as recomendações gerais indicam que deve recorrer a este tipo de análises três vezes.

Aos 40
anos
Se já se encontra na faixa etária dos 40, deve de haver uma monitorização mais paertada. Por isso, as análises ao sangue devem ser efetuadas quatro vezes.

Depois dos 50 anos
A partir desta idade, deve recorrer a este tipo de análises, anualmente, sempre que o seu médico o recomendar ou se não estiver dentro dos valores normais, tiver história familiar de doença coronária prematura ou ainda, se tiver familiares próximos com alterações marcadas do colesterol ou do restante perfil lipídico.


Texto: Rita Miguel com Pedro Marques da Silva (médico especialista em hipertensão clínica e responsável da consulta de hipertensão arterial e dislipidemias do serviço de medicina do Hospital de Santa Marta) e Zélia Santos (dietista no British Hospital Lisbon XXI)"

O que influencia os níveis de colesterol?

Artigo publicado na rubrica Saúde da Sapo.

"Os genes determinam, em parte, a quantidade de colesterol produzida por cada organismo, pelo que a tendência para ter (ou não) colesterol elevado pode ser hereditária. O estilo de vida é igualmente importante, com destaque para a alimentação, peso, nível de atividade física e hábitos tabágicos.

Além disso, existem doenças que favorecem o aumento dos níveis de colesterol LDL, como «a diabetes, a obesidade, doenças genéticas e problemas da tiróide», realça o Patient Education Institute.
Também o stress «pode aumentar os níveis de colesterol, quer por si próprio quer porque pode conduzir ao consumo de mais alimentos gordos e snacks», refere a mesma fonte.

Valores de referência


Colesterol total

Desejável: Menos de 190
No limite: 190 a 239
Alto risco: Mais de 239

Colesterol LDL (mau)

Ótimo para pessoas com alto riso de enfarte: Menos de 70
Ótimo para pessoas com doença cardíaca ou diabetes: Menos de 100
Próximo do ótimo: 100 a 129
No limite: 130 a 159
Risco alto: 160 a 189
Risco muito alto: Mais de 190

Colesterol HDL (bom)


Risco mínimo: Mais de 60
Risco médio: 40 a 59
Risco alto: Menos de 40 (homens); menos de 50 (mulheres)."

O bom e o mau colesterol

Artigo publicado na rubrica Saúde da Sapo.

"Os tipos de colesterol correspondem à forma como se agrupa para se deslocar no organismo.
«O colesterol é transportado através da corrente sanguínea em pequenas embalagens chamadas lipoproteínas, feitas de gordura (lipo) no interior e de proteínas no exterior», detalha o National Heart Lung Blood Institute (NHLB).

Segundo o Patient Education Institute, existem três tipos de lipoproteínas, as de densidade muito baixa (VLDL), as de densidade baixa (LDL) e as de densidade alta (HDL).

O que é o bom e o mau colesterol?


Chama-se mau colesterol ao LDL porque, se estiver elevado, acumula-se nas paredes das artérias (vasos sanguíneos que transportam sangue do coração para o corpo); o HDL é considerado bom porque transporta colesterol de outras partes do corpo de volta para o fígado, que remove o colesterol do organismo.

Assim, quando faz análises ao sangue, além do valor total do colesterol, importa saber os valores individuais do LDL e do HDL já que um mesmo total pode resultar de proporções diferentes daqueles dois componentes. Deve também saber o valor dos seus triglicerídeos e manter o mau colesterol abaixo do valor máximo e o bom acima do mínimo.

Quais são os riscos do mau colesterol?

«Quanto maior o seu nível de LDL no sangue, maior é a probabilidade de vir a ter doença coronária, um problema em que, dentro das artérias coronárias, se acumula placa (ateroma) feita de colesterol, gordura, cálcio e outras substâncias do sangue», realça informação do NHLBI. A este problema chama-se aterosclerose.

«Com o tempo, o ateroma torna-se rígido e estreita as artérias coronárias, limitando o fluxo de sangue oxigenado para o músculo cardíaco», o que pode provocar angina de peito e enfarte. Quando se acumula nas artérias que transportam sangue oxigenado para o cérebro ou para os membros, pode ocorrer um acidente vascular cerebral ou doença arterial periférica, respetivamente."

Português identifica mecanismo de proteína que afeta memória na doença de Parkinson

Artigo publicado na rubrica Saúde da Sapo, em 22/08/2012

"Descoberta permite testar novos medicamentos para combater doença


Um investigador português identificou o funcionamento de uma proteína que interfere com a comunicação entre células do cérebro e afeta a memória em doentes de Parkinson, permitindo testar novos medicamentos para evitar estes problemas.
O trabalho liderado pelo cientista Tiago Fleming Outeiro, do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina de Lisboa, é hoje publicado no Journal of Neuroscience (Jornal de Neurociência).
"Vimos que os oligomeros da proteína alfa-sinucleína alteram e interferem na transmissão sináptica, a comunicação entre as células nesta área, que é muito importante para os processos de memória e aprendizagem”, disse hoje à agência Lusa Tiago Outeiro.
A investigação agora apresentada abre "uma enorme perspetiva para podermos intervir a este nível, quer tentando impedir a acumulação desta proteína fora das células, porque sabemos que ai está a causar estes problemas, quer utilizando fármacos, drogas, que possam interferir com estas proteínas, modelando a comunicação neuronal”, explicou.
O cientista acrescentou que a intervenção ao nível dos sintomas da doença de Parkinson “não tem sido possível porque não se conheciam estes mecanismos”.
Estudos recentes mostraram que uma das proteínas associadas à doença de Parkinson é detetada também fora das células do cérebro, mas não se sabia quais as consequências ou qual o tipo de formas mais problemáticas de proteína.
Os investigadores testaram o efeito de três tipos de aglomerados da alfa-sinucleína fora das células no contexto da função neuronal.
"Vimos que apenas um tipo específico destas formas da proteína, os oligomeros de alfa-sinucleína, é capaz de afetar a comunicação neuronal, em termos científicos transmissão sináptica", especificou Tiago Outeiro.
Quando os neurónios no cérebro não comunicam de forma eficiente ou normal começam a surgir problemas relacionados com vários tipos de doença, como a doença de Parkinson, e parte dos doentes acabam por desenvolver problemas cognitivos, de memória, de aprendizagem ou psicológicos.
"Foi na zona do hipocampo, associada à formação da memória, por exemplo, que detetamos estes efeitos e foi ai que focamos este estudo para perceber de que forma esta proteína causa problemas", explicou.
"Há uma oportunidade muito grande de se testarem novos fármacos para aspetos particulares da doença, até agora menos possíveis de ser tratados, e corrigir defeitos na comunicação neuronal e encontrar fármacos que possam evitar a acumulação destes oligomeros de alfa-sinucleína que se acumula nos cérebros dos doentes de Parkinson", resumiu Tiago Outeiro."

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Molécula consegue pôr ratinhos inférteis

Artigo escrito por Teresa Firmino no jornal Público, em 17/08/2012

Composto trouxe novas pistas para o desenvolvimento, a longo prazo, de um contraceptivo masculino

Ainda não é a tão procurada pílula contraceptiva para os homens, mas uma equipa dos EUA diz ter encontrado a primeira molécula que controla, com efeitos reversíveis, a fertilidade masculina. As experiências, em ratinhos, mostram que eles ficam estéreis enquanto tomam a molécula, diz a equipa na revista Cell.

A molécula, chamada JQ1, consegue passar a barreira natural entre o sangue e os testículos e bloqueia a espermatogénese, o processo de formação dos espermatozóides. Por causa disso, tanto o número de espermatozoides como a sua mobilidade, um aspecto fundamental na fecundação, baixam bastante, refere um comunicado do Instituto do Cancro Dana-Farber, em Boston. Quando a molécula deixou de ser dada aos  ratinhos, a produção de espermatozoides voltou ao normal e nem eles nem as suas crias não foram afectados.

“Os resultados mostram que o composto, dado a roedores, produz um decréscimo rápido e reversível de espermatozóides e da mobilidade, com efeitos profundos na fertilidade”, diz James Bradner, do Dana-Farber, um dos autores do artigo.

Mas, de início, a investigação desta molécula não estava centrada na contracepção masculina: Bradner estava a estudá-la para tratar o cancro, como inibidora de uma família de proteínas, e queria saber se ela também teria efeito numa proteína dessa família que está envolvida na espermatogénese, a BRDT. Para isso, contactou Martin Matzuk, da Faculdade de Medicina de Baylor, em Houston. Durante 18 meses, a equipa de Matzuk injectou a molécula em ratinhos e avaliou os seus efeitos.

Fica-se mais perto de um contraceptivo para os homens, mas ainda falta muito até esse dia chegar. Matzuk explica porquê, num comunicado: “A JQ1 ainda não é a pílula para os homens, porque também bloqueia outros membros da família de proteínas [em causa]. Porém, os dados mostram que a BRDT é um excelente alvo para a contracepção masculina e dá informação para o futuro desenvolvimento de fármacos.” "

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Marte tem placas tectónicas activas mas mexem-se muito devagar

Artigo publicado pelo jornal Público, em 14/08/2012.

O maior desfiladeiro do sistema solar, na superfície marciana, pode estar dividido por uma falha tectónica

Marte está de novo na ribalta, com a recente chegada ao solo do robô Curiosity, e os cientistas continuam interessados em saber se o planeta está geologicamente activo. Um investigador dos Estados Unidos acaba de revelar que, além da Terra, em Marte também há placas tectónicas activas. Mexem-se devagar, é certo, mas mexem-se.

An Yin, da Universidade de Califórnia em Los Angeles, identificou o fenómeno ao analisar imagens de duas sondas da NASA. Observou cerca de cem imagens, tiradas pelas Themis e Mars Reconnaissance Orbiter, e uma mdezena delas revelou a existência de placas tectónicas em Marte.

Sabe-se que este planeta teve um passado geológico activo — exemplo ndisso é o Monte Olimpo, o maior vulcão do sistema solar, com 25 quilómetros de altitude. Mas An Yin diz ter detectado falhas geológicas actualmente activas. “Quando analisei as imagens, muitas das características eram como o sistema de falhas que vi nos Himalaias e no Tibete [onde duas placas da Terra fazem fronteira]”, diz o geólogo, num comunicado da sua universidade.

Como exemplo dessa actividade tectónica em Marte, An Yin indica paredes muito lisas e encostas íngremes no desfiladeiro dos Vales Marineris, dizendo que esta morfologia só pode ter sido gerada por falhas. “Além da Terra e Marte, não vemos estas características noutros planetas do sistema solar”, diz o geólogo, que publicou o estudo na revista Lithosphere.

Por isso, An Yin propõe que os Vales Marineris — que são o maior desfiladeiro do sistema solar, com mais de 4000 quilómetros de comprimento — estejam divididos por duas placas tectónicas. A uma chamou Vales Marineris Norte, à outra Vales Marineris Sul e afirma ter detectado uma deslocação horizontal, de uma em relação à outra, de quase 150 quilómetros.

“A ideia de que [o desfiladeiro] é uma grande fenda que simplesmente se abriu é incorrecta. Na realidade, é uma fronteira de placas, com movimento horizontal. É chocante, mas as provas são claras”, diz. “A Terra é como uma casca de ovo partida, por isso a sua superfície tem muitas placas. A de Marte só está ligeiramente quebrada e pode tornar-se mais partida, só que o ritmo é muito lento devido ao seu pequeno tamanho e, assim, à menor energia térmica que gera. É por esta razão por que Marte tem menos placas do que a Terra.

Terá Marte sismos também? “Penso que sim”, diz o geólogo. “A falha deve estar activa, mas só acorda de vez em quando — talvez a cada milhão de anos ou mais.” "

Desvendado o mistério do que faz nadar os espermatozóides

Artigo escrito por Nicolau Ferreira, jornalista do Público, em 14/08/2012.

Uma equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência percebeu como é que os espermatozóides ganham mobilidade: deve-se a um gene. A descoberta pode ter implicações no estudo da infertilidade humana

A genética não estava na lista dos fantasmas da reprodução quando Woody Allen escreveu no seu filme O ABC do Amor, de 1972, a parte O que é que acontece durante a ejaculação?, na qual a caricatura do cérebro de um homem, que mais parece um quartel-general, se prepara para uma relação sexual. Além da culpa religiosa, na forma de um padre, ter tentado dar cabo da erecção ao homem, um espermatozóide interpretado por Woody Allen temia um desfecho indigno para a sua vida, caso fi casse preso num preservativo, descobrisse que o seu dono estava a ter uma relação homossexual ou a companheira tivesse tomado a pílula e não houvesse óvulo para fertilizar.

Mas um problema mecânico bastante mais simples poderia provocar um falhanço semelhante: o espermatozoide interpretado por Woody Allen poderia ter a cauda “partida” e, assim, não conseguiria nadar até ao alvo. Na vida real, esta pode ser uma causa de infertilidade com origem genética, de acordo com os resultados de uma equipa de cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, que descobriu o processo de formação das estruturas que dão mobilidade à cauda (o flagelo) dos espermatozoides da mosca-da-fruta. Os resultados foram publicados ontem na revista Developmental Cell.

Existem algumas células no corpo humano que se distinguem das outras por formarem estruturas que se parecem com caudas e que abanam, explica Mónica Bettencourt Dias, líder da equipa do IGC e autora do artigo. Os pulmões, por exemplo, têm células à superfície com cílios,


que servem para expulsar partículas nocivas. No caso dos espermatozóides, como não estão presos a nada, este movimento permite às células sexuais masculinas moverem-se até ao óvulo e fecundá-lo. A equipa da investigadora estudou moscas-da-fruta que tinham uma mutação no gene que comanda o fabrico da proteína BLD10. “Estas moscas eram completamente estéreis”, revela a investigadora. E na origem desta esterilidade está a estrutura que dá a mobilidade à cauda do espermatozoide e permite que ele nade.

O grupo de Mónica Bettencourt Dias dedica-se a estudar o esqueleto das células — um importante “órgão” que, entre várias coisas, é responsável por separar correctamente os cromossomas durante a divisão celular, para que cada célula fi que com os 23 pares no fi nal da divisão, nem mais, nem menos.

Uma das estruturas deste citoesqueleto são os microtúbulos: tubos finíssimos que se formam pela acumulação de pequenas proteínas esféricas. Além de fazerem a separação normal dos cromossomas durante a divisão das células, os microtúbulos são responsáveis pela formação dos flagelos nos espermatozóides e dos cílios nas células dos pulmões.

No caso dos espermatozóides da mosca-da-fruta, estes microtúbulos formam um flagelo com dois milímetros, o que é 40 vezes maior do que o humano. A equipa, que inclui também cientistas do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, em Oeiras, descobriu que o início da formação do flagelo acontece numa fase muito primária do desenvolvimento dos espermatozóides e está intimamente ligado à proteína cuja produção é comandada pelo gene BLD10.

O flagelo “tem um centro que coordena o movimento, para que este seja correcto”, explica a investigadora. Esse centro é formado por dois microtúbulos, que por sua vez estão rodeados por outros nove que fazem muma circunferência. Com experiências feitas por Zita Carvalho Santos e imagens de microscopia electrónica obtidas por Pedro Machado, a equipa percebeu que é a proteína do gene BLD10 que permite o crescimento e a estabilização do primeiro microtúbulo central e, depois, num segundo momento, permite o crescimento do segundo microtúbulo.

“Quando a proteína não está lá, não se forma nem o primeiro, nem o segundo microtúbulo”, diz Mónica Bettencourt Dias, explicando que estas duas peças são centrais para o movimento dos espermatozóides. “Um flagelo [sem as duas estruturas da zona central] é como uma roda sem eixo.” No IGC, a equipa vai agora tentar perceber como é que esta proteína funciona exactamente.

Ainda não se estudaram os homens inférteis com uma mutação na variante humana deste gene. “É importante perceber isto.” "




sábado, 11 de agosto de 2012

Os bilhetes-postais que o robô Curiosity já mandou de Marte

Artigo escrito por Teresa Firmino, publicado pelo jornal Público em 10/08/2012
"Chegou ao solo avermelhado, poeirento, pedregoso e irregular de Marte na segunda-feira de madrugada e, desde então, o robô Curiosity já mandou para a Terra alguns bilhetes-postais da paisagem marciana - quase todos ainda só a preto e branco. Num deles, o planeta vizinho surge em visão panorâmica.

Nas primeiras imagens panorâmicas de alta resolução, também a preto e branco, em primeiro plano vê-se parte do robô, que é um monstro metálico. Nunca antes uma máquina tão grande tinha ido para outro planeta. Com quase uma tonelada, é do tamanho de um carro, tem seis rodas e dez equipamentos científicos.
E depois de se passar os olhos pela planura de um chão repleto de pedrinhas, da imagem panorâmica, tirada por uma câmara no mastro do robô, sobressai ao longe a encosta da cratera onde pousou esta sofisticada máquina da NASA. A cores, essas pedras são ainda mais evidentes. O Curiosity está dentro da cratera Gale, com 154 quilómetros de diâmetro, que a colisão de um meteorito há 3000 milhões de anos escavou, e é um dos pontos mais baixos do planeta.

Os cientistas desconfiam de que a Gale já esteve cheia de água, formando um lago gigante, quando Marte foi, tanto quanto se pensa, um planeta húmido. Hoje, é um mundo árido, com temperaturas que vão dos 128 graus Celsius negativos nos pólos aos 27 graus positivos no equador e que é conhecido pelas tempestades de poeiras com dimensão planetária.

O grande mistério é se alguma vez teve vida, mesmo que microscópica, ou se ainda tem, escondida e protegida no subsolo. É para responder a esta pergunta fundamental sobre Marte que a estratégia da agência espacial norte-americana NASA é a de "seguir o rasto da água", considerada essencial para a existência da vida.

Assim enfiado na Gale, o Curiosity tem como alvo principal uma elevação no interior da cratera, o monte Sharp, e é para lá que irá dirigir-se. Em relação à base da cratera, este monte eleva-se a 5,5 quilómetros.

Ora o monte Sharp pode ser um livro com a história de Marte, se nos seus depósitos, acumulados ao longo de milhões de anos, já depois da formação da cratera, os cientistas conseguirem ler os registos de um passado húmido. Observações de sondas em órbita sugeriram que, nas camadas mais baixas do monte Sharp, e por isso depositadas há mais tempo, se encontram sulfatos e argila, o que aponta para a presença de água.

Comportando-se como um geólogo e um químico, o Curiosity irá subir as encostas do Sharp, que são pouco íngremes. Um dos seus instrumentos é um laser que dispara à distância, para ler a composição química das rochas, o primeiro do género em Marte, e é impossível não pensar logo em filmes de ficção científica. Outro instrumento, no braço robotizado, junta o solo, desfaz rochas e leva essas amostras para análises em laboratórios no robô.

Mas o bilhete-postal que muita gente Terra fora queria mesmo receber do quarto planeta escreve-se com poucas palavras: "Há vida em Marte!" Nesse dia, se estivesse vivo, Carl Sagan teria de rever pelo menos uma das histórias no seu livro Cosmos e que, desde os primeiros aparelhos no solo marciano, as Viking, em 1976, ainda se mantém actual: um editor de um jornal enviou um telegrama (quando isso era a prática) a um astrónomo com o pedido para escrever 500 palavras sobre a vida em Marte. Prontamente, o astrónomo escreveu as 500 palavras: "Ninguém sabe, ninguém sabe, ninguém sabe...""