quarta-feira, 28 de novembro de 2012

VIH-2 e espermatozóides são as "estrelas" dos trabalhos premiados

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 28/11/2012
"Uma equipa da Universidade de Lisboa e outra do Instituto Gulbenkian de Ciência de Oeiras vão receber nesta quarta-feira os já habituais prémios de investigação clínica e básica atribuídos por laboratório farmacêutico.
Mónica Bettencourt-Dias explicou por que nadam os espermatozóides
 
Nuno Taveira investigou o vírus da sida menos conhecido, o VIH-2
Ao lado da epidemia de sida provocada pelo vírus VIH-1, há uma outra, algo menosprezada porque muito mais modesta: a que se deve ao VIH-2. Estima-se que este outro vírus da sida infecte cerca de dois milhões de pessoas no mundo inteiro. Os países mais afectados situam-se na África Ocidental - Guiné-Bissau, Cabo Verde, entre outros - e, devido à sua história colonial, o país mais atingido da Europa é Portugal, onde as últimas estimativas da ONUSIDA apontam para um máximo de 1200 infectados pelo VIH-2 (3% dos 42 mil seropositivos que residem no país).
 
O VIH-2 é, no fundo, o "bom da fita", uma vez que a maioria das pessoas por ele infectadas consegue viver normalmente sem qualquer tratamento. Mas apesar do seu reduzido carácter patogénico, há quem acabe, passado um longo período, por desenvolver sida e morrer da doença. O que distingue estas pessoas das outras?
 
Uma equipa da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, liderada por Nuno Taveira, conseguiu pela primeira vez descobrir uma explicação - e por este trabalho, que acaba de ser publicado na revista AIDS, vai receber nesta quarta-feira o Prémio Pfizer de Investigação Clínica 2012.
 
"A maior parte das pessoas infectadas pelo VIH-2 fabrica anticorpos neutralizantes que impedem o vírus de entrar nas células", disse ao PÚBLICO Nuno Taveira - ao contrário do que se passa com o VIH-1, que na esmagadora maioria dos casos se torna resistente aos anticorpos ao fim de poucos meses.
 
Os cientistas acompanharam 28 adultos com infecção crónica pelo VIH-2 durante um a quatro anos e a doença progrediu para a sida em quatro deles. E o que descobriram foi que, quando as pessoas infectadas pelo VIH-2 desenvolvem um défice imunitário, quando progridem para a sida, o número de anticorpos neutralizantes diminui e o vírus VIH-2 também se torna resistente aos anticorpos.
 
O défice imunitário é devido ao próprio VIH-2? "Não sabemos o que determina a progressão para a sida, mas ela acontece ao fim de muitos anos e muitos factores podem intervir", responde-nos Nuno Taveira. Pode surgir, por exemplo, na sequência de um tratamento contra o cancro - ou ainda, no casos de toxicodependência, por causa da malnutrição crónica de que padecem as pessoas infectadas. Mas o certo é que, quando isso acontece, pessoas que até aí nunca tiveram uma carga viral detectável passam a ter grandes quantidades de vírus VIH-2 a circular no organismo e não conseguem produzir anticorpos neutralizantes contra a nova forma do vírus.
 
O VIH-2, com maior margem de manobra, começa então a diversificar-se, sofrendo mutações genéticas que acabam por originar formas alteradas das proteínas do seu invólucro e torná-lo resistente aos anticorpos. A partir daí, o VIH-2, que em condições normais é mantido sob controlo pelo sistema imunitário, "ganha maior flexibilidade" e consegue infectar um maior número de tipos de células, salienta o cientista.
 
A equipa quis saber qual é a proteína do vírus VIH-2 que se altera quando este desenvolve resistência. E confirmou que "bate tudo certo", como explicou ainda Nuno Taveira: quando o vírus se torna resistente, o que se altera é precisamente a proteína do seu invólucro que até aí era o alvo dos anticorpos neutralizantes.
 
Por que nadam eles?
 
"O nosso resultado é interessante", conclui o cientista, "porque essa região do invólucro pode servir para desenvolver uma vacina". E mais interessante ainda, porque uma tal vacina poderia também ser eficaz contra o verdadeiro "mau da fita": o VIH-1. Um estudo recente, realizado por cientistas suecos na Guiné-Bissau, sugere que a infecção pelo VIH-2 fornece um certo grau de protecção contra o VIH-1. "Se uma pessoa for infectada pelo VIH-2 e a seguir pelo VIH-1, a progressão para a sida é muito mais lenta", diz Nuno Taveira, que com a sua equipa já está a tentar confirmar experimentalmente esses resultados.
 
Quanto ao Prémio Pfizer de investigação básica, vai para a equipa coordenada por Mónica Bettencourt-Dias e Zita Carvalho-Santos, do Instituto Gulbenkian de Ciência de Oeiras, pelo seu trabalho sobre os cílios, ou flagelos, dos espermatozóides da mosca-do-vinagre. Os flagelos são essenciais à mobilidade dos espermatozóides e a equipa descobriu que basta uma proteína necessária à sua formação estar ausente para os imobilizar. Algo que poderá ter implicações na área da fertilidade masculina humana (ver "Desvendado o mistério do que faz nadar os espermatozóides", PÚBLICO de 14/8/2012).
 
Os prémios, de 20 mil euros cada, serão entregues hoje ao fim da tarde numa cerimónia na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa."

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